quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Meningite

INTRODUÇÃO

As infecções mais comuns do sistema nervoso central (SNC) são a encefalite (infecção do cérebro), a mielite (infecção da medula espinhal), a encefalomielite e a meningite (infecção da membrana que cobre o cérebro e a medula espinhal). Em geral, tanto a meningite quanto a encefalite (meningoencefalite) são parte do mesmo processo infeccioso. Menos comumente, as infecções adjacentes de tecido mole (ex: abscessos epidurais) e osso (osteomielite) podem atingir o sistema nervoso.
A meningite é mais prevalente em alguns grupos etários ou em pacientes com várias doenças subjacentes. A meningite no neonato resulta mais comumente de infecção que é adquirida da mãe no útero ou durante o parto vaginal. Streptococcus agalactiae e Escherichia coli são os microrganismos mais comumente isolados. Neisseria meningitidis causa infecção em todos os grupos etários. Haemophilus influenzae tipo B era a causa mais comum de meningite bacteriana aguda no grupo etário de 6 meses a 5 anos de idade, mas essa doença foi praticamente erradicada por uma vacinação efetiva. A meningite por Streptococcus pneumoniae resulta de bacteremia ou extensão da infecção dos seios da face (sinusite).
A meningite viral em todos os grupos etários é causada principalmente por enterovírus. Cryptococcus neoformans, Listeria monocytogenes e Mycobacterium tuberculosis causam formas crônicas de meningite tanto em pacientes sadios quanto naqueles com alterações de imunidade (HIV positivos, tratamento de câncer, etc.).
O pesquisador relata o caso de um paciente com quadro de meningite bacteriana aguda causada por Neisseria meningitidis e que evoluiu de forma forma abrupta para meningococcicemia e óbito. 

RELATO DO CASO

Uma criança de 7 anos, previamente hígida foi internada em uma instituição de saúde localizada no município de Timóteo-MG com história de febre alta, crises convulsivas e delírios. Na avaliação médica a criança apresentava-se com febre alta, dificuldade para encostar o queixo no peito e presença de manchas púrpuras por todo o corpo. Rapidamente o pediatra têm a suspeita clínica de meningite e realiza punção lombar para análise do LCR (líquido cefalorraquidiano) e solicita a coleta de hemocultura, hemograma e gasometria. Após a coleta dos exames é administrado uma dose elevada de Rocefin (Ceftriaxona) para a criança como tratamento de escolha. O paciente evolui com dificuldade respiratória e acidose metabólica (Saturação de O2 de 89%) e pH sanguíneo de 6,96. O pediatra realiza a intubação da criança (ventilação mecânica) como manejo para tentar corrigir a saturação de oxigênio e é administrado bicarbonato para corrigir o pH sanguíneo. Mesmo com todo o suporte terapêutico oferecido a criança, a mesma veio ao óbito após 24 horas de internação.
Ao receber o líquor para análise laboratorial o Microbiologista percebe que o material entrava-se turvo e Xantocrômico (aspecto amarelado), ao exame microscópico foi possível observar a presença de numerosas células com aspecto sugestivo de neutrófilos poliformonucleares. Parte do material foi separada para centrifugação para realização de coloração de Gram, pesquisa de fungos (técnica de Naquim) e pesquisa de parasitas (Angiostrongylus cantonensis).
Abaixo é demonstrado o resultado da análise citológica e química do líquor:

RESULTADO DE ANÁLISE DO LÍQUOR

ANALITO
RESULTADO
VALOR DE REFERÊNCIA
COR
XANTOCRÔMICO
INCOLOR
ASPECTO
TURVO
LÍMPIDO
CITOMETRIA
6.000 células/mm3
0-5 células/mm3
CITOLOGIA
POLIMORFONUCLEARES
MONONUCLEARES

100%
0%

0%
100%
GLICOSE
2 mg%
2/3 da glicose sanguínea
PROTEÍNAS
450 mg%
10-45 mg%
PESQUISA DE FUNGOS
NEGATIVO
NEGATIVO
PESQUISA DE BAAR
NEGATIVO
NEGATIVO
PESQUISA DE EOSINÓFILOS
NEGATIVO
NEGATIVO
PESQUISA DE PARASITAS
NEGATIVO
NEGATIVO
Após o líquor ser centrifugado, foi realizado a coloração de Gram, onde foi observado a presença de numerosos leucócitos polimorfonucleares e a presença de frequentes diplococos Gram-negativos com morfologia sugestiva de Neisseria meningitidis.

Abaixo é demonstrado o uma fotografia da coloração de Gram:
Imagem 1: Coloração de Gram de líquor evidenciando
a presença de numerosos leucócitos polimorfonucleares
e a presença de diplococos Gram-negativos intracelulares
sugestivos de Neisseria meningitidis.
Fonte: Acervo do pesquisador.























O sedimento do líquor foi semeado em ágar sangue de carneiro e incubado em microaerofilia (presença de 3 a 5% de CO2 pelo método da vela) a 35oC por 48 horas.  Após este período a placa foi analisada e notou-se a presença de colônias convexas, transparentes, não pigmentadas e não hemolíticas.

Abaixo é demonstrado uma fotografia da placa de ágar sangue com o crescimento bacteriano:
Imagem 2: Crescimento de Neisseria meningitidis
em ágar sangue de carneiro.
Fonte: Acervo do pesquisador.
























Após o isolamento do microrganismo foram realizados os seguintes testes bioquímicos para identificação do mesmo: Teste de catalase, teste de oxidase, teste de utilização de glicose, maltose, lactose e sacarose. O teste de catalase foi positivo, oxidase positivo e os únicos carboidratos utilizados pelo microrganismo foram: Glicose e Maltose, sendo que desta forma o germe foi identificado como Neisseria meningitidis.

Abaixo estão demonstrados imagens dos testes utilizados para identificação do meningococo:
Imagem 3: Coloração de Gram do crescimento em ágar sangue.
Note a presença de diplococos Gram-negativos em forma de "grão
de feijão".
Fonte: Acervo do pesquisador.






















Imagem 4: Teste de catalase positivo.
Fonte: Acervo do pesquisador.











Imagem 5: Teste de oxidase positivo.
A: Microrganismo testado.
B: Swab apenas com o reagente (controle negativo).
Fonte: Acervo do pesquisador.
















Imagem 6: Teste de utilização de glicose e maltose
positivo em Neisseria meningitidis.
Fonte: Acervo do pesquisador.





















A cepa de Neisseria meningitidis foi submetida ao teste de sensibilidade aos antimicrobianos de acordo com as normatizações do CLSI, sendo preparada uma suspensão do microrganismo em salina estéril compatível com a escala 0,5 de MacFarland. A suspensão foi inoculada em meio de ágar Mueller Hinton acrescido com 5% de sangue de carneiro, sendo testado os seguintes antimicrobianos pela metodologia de Kirby-Bauer (disco-difusão): Ceftriaxona, Cefotaxima, Ciprofloxacino (para fins de descolonização de portadores assintomáticos), Cloranfenicol e Rifampicina (para fins de descolonização de portadores assintomáticos), sendo esta cepa sensível a todos os antimicrobianos testados.
A hemocultura revelou o crescimento do mesmo microrganismo isolado na cultura do líquor.
Com base neste resultado, todos os contactantes próximos a criança (que tiveram contato íntimo), foram tratados com Rifampicina, de acordo com as normatizações propostas pela ANVISA.
Este microrganismo foi encaminhado para a Fundação Ezequiel Dias (FUNED), para que se realizasse para fins epidemiológicos a sorotipagem capsular do microrganismo, sendo mesmo classificado com Neisseria meningitidis sorotipo Y.

DISCUSSÃO

1) Quais são os principais fatores de virulência encontrados em Neisseria meningitidis?

R: Os principais fatores de virulência encontrados em cepas de Neisseria meningitidis são:

  • Cápsula: As cepas de Neisseria meningitidis são, frequentemente, encapsuladas, e foram descritos até hoje 13 diferentes sorogrupos capsulares identificados como: A, B, C, D, H, I, K, L, W135, X, Y, Z e 29E. Com exceção do polissacarídio do grupo A, essas moléculas são compostas de derivados do ácido N-acetilneuramínico (ácido siálico). O polissacarídio capsular do grupo A é composto por unidades repetidas de N-acetil-manosamina-1-fosfato-α-ligado. Os polissacarídios capsulares dos meningococos impedem que os fagócitos destruam os microrganismo e aumentam sua sobrevida durante a invasão da corrente sanguínea e do SNC (sistema nervoso central). 
  • Lipooligossacarídios (LOS): O LOS de Neisseria meningitidis estimula a liberação do TNF-α, resultando em lesão adicional na célula do hospedeiro.
  • Fímbrias (Pili): As fímbrias medeiam a inserção dos microrganismos nas células da mucosa da nasofaringe. 
  • Proteína de aquisição/ligação do ferro: Neisseria meningitidis desenvolveu mecanismos únicos para a aquisição de ferro. Três sistemas de transporte de dois componentes, denominados TbpA/TbpB, LpbA/LpbB e HpuA/HpuB estão envolvidos na aquisição de ferro a partir de transferrina, lactoferrina e hemoglobina/haptoglobina humanas, respectivamente.
  • IgA1 protease: Foi postulado que essa protease atua como fator de virulência ao destruir a imunidade da mucosa.
  • Plasmídios: Os plasmídios não são comuns em Neisseria meningitidis. Entretanto cepas resistentes a Tetraciclina contêm o mesmo plasmídio carreador de 25,2 Mda tetM que é encontrado em Neisseria gonorrhoeae resistente a Tetraciclina. Os plasmídios codificadores de β-lactamase provenientes de Neisseria gonorrhoeae também podem ser transferidos in vitro para Neisseria meningitidis pelo plasmídio de 24,5 ou 25,2 Mda encontrado em alguns gonococos.
Abaixo está demonstrado uma ilustração sobre os fatores de virulência de Neisseria meningitidis:
Imagem 6: Fatores de virulência de Neisseria meningitidis.
Fonte: https://pt.slideshare.net/klary211/neisseria-meningitidis-29189725

















2) Descreva o processo de patogênese da Neisseria meningitidis.

R: A colonização da superfície das mucosas das vias respiratórias superiores pelo meningococo é o primeiro passo para o estabelecimento do estado de portador, que pode variar de dias a meses e, mais infrequentemente, desencadear a doença meningocócica. A transmissão ocorre entre humanos através de gotículas respiratórias e secreções, mas o tamanho do inóculo para transmissão ainda é desconhecido. A colonização do trato respiratório pelo meningococo pode se dar de forma assintomática, ou pode ocasionar uma reação inflamatória local, invasão das mucosas, invasão da corrente sanguínea, podendo provocar uma sepse fulminante ou uma infecção focal como a meningite.

Abaixo está demonstrado uma ilustração sobre a patogênese de Neisseria meningitidis:


Imagem 7: Patogênese de Neisseria meningitidis.
Fonte: https://es.slideshare.net/ximenoide1111/neisseria-meningitidis-13260370

















3) Como se realiza o diagnóstico laboratorial da doença meningocócica?

R: O diagnóstico laboratorial da doença meningocócica é realizado por exame bacterioscópico do LCE (líquido cefalorraquidiano) corado pelo método de Gram e através do cultivo deste, ou de outro fluido orgânico usualmente estéril, como sangue, líquido sinovial, pleural ou pericárdico, para isolamento e a identificação do meningococo. Pode-se ainda utilizar raspado ou aspirado das lesões cutâneas (petéquia ou púrpura), típicas da meningococcemia.

4) Referências


  1. ANVISA. Detecção e Identificação de Bactérias de Importância Médica. Módulo 5. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/microbiologia/mod_5_2004.pdf
  2. MURRAY, P.R et al. Microbiologia Médica. Sexta edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, 948p.
  3. SALOMÃO, R., PIGNATARI, A.C.C. Infectologia. Barueri: Manole, 2006, 580p.
  4. TRABULSI L.R., ALTERTHUM, F. Microbiologia. sexta edição. São Paulo: Atheneu, 2015, 888p.
  5. WASHINGTON, C.W. et al. Koneman: Diagnóstico Microbiológico. Texto e Atlas Colorido. Sexta edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010, 1565p.

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