sábado, 26 de agosto de 2017

Infecção do Trato Urinário Complicada

Paciente R.M.S., 78 anos, sexo masculino, procura assistência médica em uma instituição localizada no município de Timóteo, com quadro de dificuldade para urinar e redução do volume urinário (oligúria). O paciente foi diagnosticado com Adenoma de Próstata ou hiperplasia prostática benigna. O Urologista de plantão indicou que o paciente deveria realizar uma raspagem interna da próstata para descomprimir a bexiga e a uretra. Após a cirurgia o paciente evolui satisfatoriamente e recebe alta hospitalar com o uso de sonda vesical de demora para eliminação da urina. Após 5 dias de uso da sonda, R.M.S evolui com quadro de dor lombar, disúria e hematúria. R.M.S retorna ao hospital para consulta com o Urologista e o mesmo solicita os seguintes exames: Rotina de Urina (EAS) e Urocultura. O paciente dirigi-se para um laboratório de Análises Clínicas localizado em Timóteo-MG e realiza a coleta dos exames.
O Microbiologista de plantão recebe a amostra para análise de EAS e Urocultura. O resultado de EAS foi o seguinte:

ROTINA DE URINA (EAS)

PARÂMETRO
RESULTADO ENCONTRADO
VALOR DE REFERÊNCIA
COR
ÂMBAR
AMARELO
ODOR
SUI GENERIS
SUI GENERIS
ASPECTO
TURVO
LÍMPIDO
pH
6,0
5,0 a 6,0
DENSIDADE
1025
1005 a 1030
PROTEÍNAS
++
AUSENTE
GLICOSE
AUSENTE
AUSENTE
ACETONA
AUSENTE
AUSENTE
BILIRRUBINA
AUSENTE
AUSENTE
HEMOGLOBINA
+++
AUSENTE
CÉLULAS
RARAS P/C
RARAS P/C
PIÓCITOS
20 P/C
0-5 P/C
HEMÁCIAS
CAMPOS REPLETOS
0-3 P/C
CILINDROS
HEMÁTICOS (++)
AUSENTES
CRISTAIS
AUSENTES
AUSENTES
MUCO
(++)
AUSENTE
NITRITOS
AUSENTE
AUSENTE
OBSERVAÇÃO: PRESENÇA DE HEMATÚRIA MACIÇA.

A foto do sedimento urinário é demonstrada abaixo:

FOTOGRAFIA 1: PRESENÇA DE NUMEROSAS HEMÁCIAS E BACTÉRIAS NO
SEDIMENTO URINÁRIO.
FONTE: ACERVO DO PESQUISADOR.




































O Microbiologista encaminha a amostra de urina para cultura. A amostra é semeada em ágar CLED e incubada à 35oC em temperatura ambiente por 24 horas. Após este período a placa foi observada e notou-se o desenvolvimento de colônias mucóides e fermentadoras de lactose. A foto da placa de ágar CLED é demonstrada abaixo:

FOTOGRAFIA 2: PRESENÇA DE NUMEROSAS COLÔNIAS
LACTOSE POSITIVAS (AMARELAS) COM ASPECTO MUCÓIDE.
FONTE: ACERVO DO PESQUISADOR.




















O microrganismo em questão é identificado com o auxílio do Meio de Rugai Modificado por Pessoa e Silva como sendo uma Klebsiella pneumoniae. A foto do teste bioquímico é demonstrado abaixo:

FOTOGRAFIA 3: RUGAI MODIFICADO POR PESSOA E SILVA EVIDENCIANDO A
IDENTIFICAÇÃO DE Klebsiella pneumoniae.




































O teste de sensibilidade aos antimicrobianos foi realizado com base nas normas técnicas do BRCAST e EUCAST pelo método de Kirby-Bauer (disco-difusão) e foram testados os seguintes antimicrobianos: AMOXICILINA + ÁCIDO CLAVULÂNICO, AMPICILINA + SULBACTAM, PIPERACILINA + TAZOBACTAM, CEFTRIAXONA, CEFTAZIDIMA, CEFEPIME, MEROPENEM, GENTAMICINA, AMICACINA, CIPROFLOXACINO, LEVOFLOXACINO e POLIMIXINA B.
O resultado do teste de sensibilidade aos antimicrobianos é demonstrado abaixo:

TESTE DE SENSIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS

ANTIMICROBIANO
TAMANHO DO HALO (mm)
RESULTADO
Amoxicilina + Ácido Clavulânico
26,0
SENSÍVEL
Ampicilina + Sulbactam
20,0
SENSÍVEL
Piperacilina + Tazobactam
26,0
SENSÍVEL
Ceftriaxona
35,0
SENSÍVEL
Ceftazidima
28,0
SENSÍVEL
Cefepime
35,0
SENSÍVEL
Meropenem
28,0
SENSÍVEL
Gentamicina
22,0
SENSÍVEL
Amicacina
28,0
SENSÍVEL
Ciprofloxacino
26,0
SENSÍVEL
Levofloxacino
28,0
SENSÍVEL
Polimixina B
16,0
SENSÍVEL
A foto do teste de sensibilidade aos antimicrobianos é mostrada abaixo:
FOTOGRAFIA 4: TESTE DE SENSIBILIDADE AOS ANTIMICROBIANOS EM UMA CEPA DE Klebsiella pneumoniae
ISOLADA DE UROCULTURA.


Com base nestes resultados o Urologista tratou o paciente com Ciprofloxacino 500 mg durante 7 dias e o mesmo ficou totalmente curado da infecção.

COMENTÁRIOS E DISCUSSÕES

1)  Porque esta infecção urinária é classificada como complicada?

R: A infecção do trato urinário (ITU) complicada é aquela associada a condições que aumentem o risco para o desenvolvimento da infecção. As condições que se associam a ITU complicada incluem as de causa obstrutiva (hipertrofia benigna de próstata, tumores, urolitíase, estenose de junção uretero-piélica, corpos estranhos, etc); anátomofuncionais (bexiga neurogênica, refluxo vesico-ureteral, rim-espongiomedular, nefrocalcinose, cistos renais, divertículos vesicais); metabólicas (insuficiência renal, diabetes mellitus, transplante renal); uso de catéter de demora ou qualquer tipo de instrumentação e derivações ileais.

2) Com relação a Klebsiella pneumoniae, quais são as suas características bioquímicas? Quais fatores de virulência são encontrados neste uropatógeno?

R: CARACTERÍSTICAS BIOQUÍMICAS:

* Fermentação da Lactose: Positiva --> Presença da enzima Betagalactosídeo permease (permite o microrganismo captar a molécula de Lactose para o seu interior) e Presença da enzima Betagalactosidase (permite a quebra da molécula de Lactose em Glicose e Galactose).
* Fermentação da Glicose: Positiva --> A Glicose é convertida em piruvato pelo microrganismo através da via de Embden Meyerhof (fermetação). Por sua vez o Piruvato é convertido em energia através da via do Butilenoglicol. Nesta via são produzidos pequena quantidade de ácido, grande quantidade de gás e álcool (indicado pela positividade do teste de Voges Proskauer).
*Fermentação da Sacarose: Negativa.
*Motilidade: Negativa.
*Lisina: Positiva --> Conversão de Lisina em Cadaverina pela ação da enzima Lisina descarboxilase, com produção de aminas.
*Hidrólise da ureia: Positiva --> Hidrólise da Ureia em Amônia pela ação da enzima Urease.
*Produção de H2S: Negativo.
*LTD: Negativo.
*Indol: Negativo.

FATORES DE VIRULÊNCIA:

*Cápsula polissacarídica: A cápsula bacteriana é considerada um fator de virulência pois aumenta a habilidade de uma bactéria causar doença. A cápsula protege a célula bacteriana contra a fagocitose por células eucarióticas como os macrófagos.

3) Quais os mecanismos de res|istência aos antimicrobianos são encontrados nesta cepa?

Classe de antimicrobianos: Betalactâmicos

1) Cepa produtora de Betalactamase cromossômica fenótipo blaSHV-1. A presente enzima pertence a classe molecular A da classificação de Ambler, sendo que sua atividade hidrolítica é inibida por Ácido Clavulânico. Esta enzima hidrolisa eficientemente as Aminopenicilinas (Ampicilina e Amoxicilina). As Cefalosporinas de primeira geração (Cefazolina, Cefalotina, Cefalexina e Cefadroxil) também podem ser inativadas pela Betalactamase SHV-1. No entanto, a hidrólise destas Cefalosporinas em condições onde a enzima é pouco expressa é menor em relação ás Aminopenicilinas. 
Em infecções do trato urinário, Cefalosporinas de primeira geração podem ser indicadas para o tratamento de cepas de Klebsiella pneumoniae que apresentam baixa expressão da Betalactamase SHV-1, provavelmente porque altas doses destes antimicrobianos são atingidos no trato urinário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. ALBINI, C.A. et al. Infecções urinárias: Uma abordagem multidisciplinar. Curitiba: Editora CRV, 2012, 764p.
  2. ROSSI, F., ANDREAZZI, D.B. Resistência bacteriana: Interpretando o antibiograma. São Paulo: Editora Atheneu, 2005, 118p.
  3. WASHINGTON, C.W.J., et al. Koneman: Diagnóstico microbiológico. Texto e atlas colorido.  Sexta edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010, 1565p.

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